O bloqueio americano a Cuba: e agora, Obama?
Sérgio Luís Allebrandt
O embargo dos Estados Unidos a Cuba é um bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos que se iniciou oficialmente em sete de Fevereiro de 1962. Mas já em 6 de abril de 1960 (portanto um ano antes da invasão da Baía dos Porcos), de acordo com Vilarigues (2008, p. 1) o então subsecretário de Estado adjunto para os Assuntos Inter-Americanos, Lester Dewitt Mallory, escreveu num memorando discutido numa reunião dirigida pelo presidente John Kennedy:
Não existe uma oposição política efetiva em Cuba; portanto, o único meio previsível que temos hoje para alienar o apoio interno à Revolução é através do desencantamento e do desânimo, baseados na insatisfação e nas dificuldades econômicas. Deve utilizar-se prontamente qualquer meio concebível para debilitar a vida econômica de Cuba. Negar dinheiro e abastecimentos a Cuba, para diminuir os salários reais e monetários, a fim de causar fome, desespero e a derrocada do governo. (grifos meus)
O bloqueio foi referendado por leis americanas em 1992 e em 1995. Em 1999, o então presidente Bill Clinton ampliou o embargo proibindo as filiais estrangeiras (portanto, empresas situadas e atuando em outros países do mundo, inclusive no Brasil) de companhias estadunidenses de comercializar com Cuba. A medida está em vigor até os dias atuais, tornando-se o mais duradouro dos embargos econômicos da história moderna.
Este bloqueio permanece uma questão extremamente controversa em todo o mundo, e é formalmente condenado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Já em 1970 uma resolução da ONU afirmava que "nenhum Estado pode aplicar ou fomentar o uso de medidas econômicas, políticas ou de qualquer outra índole para compelir a outro Estado, a fim de conseguir que subordine o exercício de seus direitos soberanos e obter ele vantagens de qualquer outro. Todo Estado tem o direito inalienável de eleger seu sistema político, econômico, social e cultural sem ingerência em nenhuma forma por parte de nenhum outro Estado".
Desde 1992, pela décima sétima vez consecutiva, em 29 de outubro de 2008, a Assembléia Geral da ONU aprovou por ampla maioria a resolução "Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba". Dos 192 países integrantes da ONU, 185 votaram contra o bloqueio. Dois países (El Salvador e Iraque) não estavam presentes na votação, apenas dois (Ilhas Marshall e Micronésia) se abstiveram e apenas três (Palau, Israel e Estados Unidos) votaram a favor do embargo. A condenação sistemática do embargo pela ONU iniciou em 1992, 30 anos após o início oficial do bloqueio americano, além de outras resoluções bem anteriores que já condenavam o bloqueio. Veja-se os resultados das votações no ONU.
Sem querer defender os erros cometidos pelo regime de Fidel nestes 50 anos, não é possível isentar os EUA de grande dose de culpa por boa parte das medidas tomadas pelo governo cubano ao longo desse tempo.
Para compreender o embargo, alguns eventos históricos são fundamentais:
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Os Estados Unidos sempre consideraram Cuba como uma neocolônia norte-americana. A ingerência e tutela americana, na primeira metade do século XX, fez com que a ilha vivesse em constante conflito interno, corrupção e fragilidade na legitimidade dos sucessivos governos.
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O Sargento de Exército Fulgêncio Batista tomou o poder em um golpe de estado apoiado pela inteligência americana em 1932. Batista governou o país por vários anos, e após deixar o poder passou alguns anos exilado em Miami, para em 1952 aplicar outro golpe de estado, dessa vez derrubando o presidente eleito Socorras, claro opositor da interferência norte-americana nas relações externas do país. O presidente norte-americano, Eisenhower, reconheceu rapidamente como "legítimo" o novo regime de Cuba, comandado pelo Presidente golpista Fulgêncio Batista. Sobre o seu comando os interesses americanos predominaram.
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A partir de 1953, o então recém formado advogado Fidel Castro inicia um movimento popular que vai crescendo e que culmina, após tentativas frustradas, no triunfo da revolução cubana, com a derrubada de Batista e seus seguidores, em 1959.
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Logo após a revolução, medidas populares são tomadas, como a diminuição dos aluguéis, a abertura ao povo das praias particulares e a reforma agrária, nacionalizando todas as propriedades com mais de 420 hectares, que foram entregues para dezenas de milhares de camponeses e arrendatários. Os americanos não aceitaram a reforma agrária. Muitos americanos haviam comprado grandes áreas em anos anteriores de cubanos endividados, por 2 a 3 dólares o hectare. Não esqueçamos também que Fidel Castro era filho de latifundiária e que a primeira área desapropriada e distribuída foi a de sua mãe, que, não concordando com a atitude do filho, decidiu exilar-se e morar no México.
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Por outro lado, muitos dos defensores de Batista e dos proprietários de terras e das empresas foram julgados por tribunais populares e condenados ao paredão (morte por fuzilamento).
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Após a vitória da revolução com a derrubada do ditador Fulgêncio em 1959, o presidente americano Eisenhover divulgou um "plano anti Castro" criando embargos comerciais ao livre comércio do açúcar cubano e à importação de petróleo. Só no açúcar, principal divisa cubana, os EUA deixaram de importar 700 mil toneladas por ano. Ou seja, tempo da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, literalmente os americanos jogaram os cubanos no colo dos soviéticos, que passaram a comprar o excedente da produção de açúcar a altos preços e a fornecer petróleo subsidiado para a Ilha. Petróleo que as então três indústrias petrolíferas que atuavam em Cuba (a inglesa Shell e as americanas Esso e Texaco) se recusavam a refinar, razão pela qual foram nacionalizadas em 1960.
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Em outubro do mesmo ano os EUA anunciaram um embargo parcial a Cuba e em janeiro de 1961 romperam relações diplomáticas com o governo da Ilha.
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O governo americano passou a conduzir violenta campanha anti Castro e concedeu incentivos para os exilados cubanos tentar derrubar Castro através de ações terroristas. A CIA americana passou a treinar estes dissidentes cubanos que passaram a viver em Miami, com o objetivo de invadir a ilha e derrubar o governo de Castro.
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Em abril de 1961 estas brigadas mercenárias invadiram a ilha na famosa Invasão da Baía dos Porcos. Apesar do apoio da CIA e de forças armadas americanas, o exército cubano sufoca e vence os invasores. A partir daí Fidel Castro anuncia oficialmente o caráter socialista da revolução e aproxima-se definitivamente da União Soviética.
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Em fevereiro de 1962 os Estados Unidos anunciam oficialmente o bloqueio econômico, comercial e financeiro. Também os ativos cubanos nos Estados Unidos foram congelados.
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Em 1962 ocorre a Crise dos Mísseis, quando a URSS instala mísseis na ilha cubana, gerando uma grave crise mundial, resolvida após acordo entre o então presidente americano (John F. Kennedy) e o Premier soviético (Nikita Khrushchev).
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É proibido empresas de terceiros países a exportação para os Estados Unidos de qualquer produto que contenha alguma matéria-prima cubana (A França não pode exportar para os Estados Unidos uma geléia que contenha açúcar cubano).
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É proibido a empresas de terceiros países que vendam a Cuba bens ou serviços nos quais seja utilizada tecnologia estadunidense ou que necessitem, na sua fabricação, insumos dessa procedência que excedam 10% do seu valor, ainda quando os seus proprietários sejam nacionais de terceiros países.
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Proíbe-se a bancos de terceiros países que abram contas em dólares norte-americanos a pessoas individuais ou jurídicas cubanas, ou que realizem qualquer transação financeira nessa divisa com entidades ou pessoas cubanas. Caso isso ocorra, os valores serão confiscados. Isso bloqueia totalmente Cuba de utilizar o dólar em suas transações de comércio exterior.
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É proibido aos empresários de terceiros países levarem a cabo investimentos ou negócios com Cuba, sob a suposição de que essas operações estejam relacionadas com prioridades sujeitas a reclamação por parte dos Estados Unidos da América. Os empresários que não se submetam a essa proibição serão alvo de sanções e represálias como o cancelamento, ou não renovação, de seus vistos de viagem aos Estados Unidos.
Apesar do embargo e das conseqüências negativas que o mesmo impõe ao povo cubano, Cuba foi construindo sua história revolucionária. Se nas décadas de 60, 70 e 80 o apoio soviético minimizava o bloqueio americano, com a extinção da URSS, no final dos anos 80, Cuba ficou literalmente sozinha. Os anos de 1989 a 1993, conhecidos como o Período Especial, foram muito duros para o povo cubano, que teve que aprender a utilizar todo o jogo de cintura para sobreviver.
A era Busch reforçou mais ainda o bloqueio, mas mesmo assim Cuba apresentou a partir de 1995 e em especial nos anos 2000 uma recuperação econômica fantástica. Vamos aos fatos? Para começar, a principal fonte dos dados: nada mais que a página na Internet da CIA: é isso mesmo, o portal da Central Intelligence Agency (https://www.cia.gov) no módulo World Factbook, que apresenta dados e informações sobre todos os países do mundo.
O índice de pobreza de Cuba era o sexto menor em 2004 dentre os 102 países em desenvolvimento pesquisados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud - organismo da ONU). Cuba está entre os 70 países do mundo que ostentam um alto Índice de Desenvolvimento Humano (acima de 0,800). Em 2007 o IDH de Cuba foi 0,838 (51° lugar). Na América Latina, em 2007, só ficou atrás do Chile (40º lugar), Uruguai (46º) e Costa Rica (48º).
Em 2002, Cuba gastou 8,96% do PIB em educação, o maior gasto mundial, à frente da Dinamarca (8,51% do PIB) e da Suécia (7,66% do PIB). Cuba aplicou em 2002 em % do PIB: na educação, 8,96%; na saúde, 6,5%; na pesquisa, 0,5%. Para comparar, o Brasil aplicou no mesmo ano: na educação, 4,22%; na saúde, 3,6%; na pesquisa, 1,0%.
O PIB cubano cresceu à taxa média de 4,5 % entre 1995 e 1999. Em 2000 cresceu 5,6%, em 2005 a taxa foi de 5%, em 2006 foi de 12,1% e em 2007 de 7,3%.
Em 2008, Cuba sofreu com a devastação causada por três furacões. Os danos totais foram de quase US$ 10 bilhões, o equivalente a 20 % do PIB. Mais de quinhentas mil casas e muitas safras agrícolas foram destruídas ou danificadas. Será necessário de três a seis anos para a economia recuperar-se dos danos causados. Por isso o crescimento da economia em 2008 foi de apenas 4,3%, bem abaixo da meta do governo, que era de 8%. Ainda assim, a taxa de desemprego em 2008 foi de apenas 1,8% (no Brasil está perto de 9%, na Espanha alcança quase 17%).
A crise mundial também levou a uma queda nos investimentos de estrangeiros. A mineradora canadense Sherritt International adiou seus planos de investir em nova capacidade de extração de níquel. A Telecom Itália, dona da TIM, anunciou que vai vender sua parte da empresa de telecomunicação cubana, Etecsa. Somente o setor turístico conseguiu manter-se, batendo um novo recorde com 2,35 milhões de turistas em 2008.
A V Cúpula das Américas ocorreu este mês no clima de expectativa de revisão do bloqueio por parte de Obama. Mas nada aconteceu nesse sentido. A pressão dos países latino-americanos e caribenhos no sentido de derrubar a suspensão de mais de 50 anos da participação de Cuba na OEA (Cuba é membro fundador da OEA, mas foi suspensa desde 1963, por pressão do presidente Kennedy), também não deu em nada. O outro tema que era aguardado por todos os países – a crise mundial e as ações dos países americanos para superá-la – também não prosperou.
Parece que o resultado mais concreto da Cúpula, também omitido pela grande imprensa nacional, foi o lance midiático de Hugo Chávez, ao presentear Obama com um exemplar do clássico livro (para nós latinos) de Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina (no livro, Galeano analisa a história da América Latina desde o período da colonização européia até a Idade Contemporânea, argumentando contra a exploração econômica e a dominação política do continente, primeiramente pelos europeus e seus descendentes e, mais tarde, pelos Estados Unidos. Devido à sua perspectiva de esquerda, o livro foi banido da Argentina, do Chile e do Uruguai durante as ditaduras militares destes países. Escrito em 1971, no Brasil o livro encontra-se na 46ª edição, em 2007. Com mais de 36 livros publicados, lançou em 2008 Espelhos - uma quase história universal), escrito na década de 70. Tanto é que cerca de uma hora após este gesto de Chávez, o livro passou da posição 54.295 para a posição 17 no ranking de vendas da amazon.com, e um dia após, já estava na 2ª posição do ranking. Talvez com este gesto os americanos do norte e os europeus leiam e conheçam melhor esta obra prima da história dos emergentes latino-americanos.
No final de maio de 2009 o mundo foi surpreendido com mais uma notícia de reforço ao bloqueio americano. A Microsoft (uma das maiores empresas globais do mundo), justificando que precisa cumprir a legislação americana (que não vinha cumprindo até hoje), bloqueou o acesso ao comunicador instantâneo Windows Live Messenger a todos os cidadãos de cinco países: Cuba, Irã, Sudão, Síria e Coréia do Norte (de acordo com algumas agências de notícias o bloqueio atingiu também o Afeganistão e o Iraque), países considerados pelos Estados Unidos desde a política o presidente americano George Bush, como os integrantes do eixo do mal, países (e povos) considerados hostis aos interesses americanos. A notícia da Microsoft deixou mais uma vez Obama "mal na foto", que já vem amargando o desgaste ao ter que retroceder em seu discurso e prática no que se refere ao fechamento da odiosa prisão de Guantánamo.
O fato mais recente desta história ocorreu no início de junho deste ano, quando os chanceleres dos países americanos que participavam da 39ª Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em Honduras, chegaram a um acordo para revogar a suspensão de Cuba como membro da OEA decidida há 47 anos.
Horas antes do anúncio da revogação, sete deputados norte-americanos apresentaram ao Congresso Americano um projeto de lei que determina a suspensão do apoio financeiro dos Estados Unidos à OEA caso os países membros tomassem a decisão de reintegrar Cuba, em mais uma tentativa de pressão aos países membros.
Por outro lado, Cuba informou formalmente que não pretende retornar ao convívio da OEA, por considerá-la ferramenta a serviço dos Estados Unidos.
Apesar disso, o otimista presidente Lula afirma que o embargo americano está chegando ao fim na prática e que tudo voltará à normalidade em pouco tempo. Vamos ver e viver para crer.
Nota: As ações exercidas contra Cuba pelo Governo dos Estados Unidos a rigor não se enquadram na definição de "embargo", aproximando-se mais do conceito de "bloqueio", por perseguir o isolamento, a asfixia, a imobilidade de Cuba, com o propósito de fragilizar a vida de seu povo e levá-lo a abrir mão de sua decisão de ser soberano e independente. Isso constitui elementos chave no conceito de "bloqueio", que significa cortar, fechar, in-comunicar com o exterior para conseguir a rendição do sitiado pela força ou pela fome. Desde a Conferência Naval de Londres, de 1909, é um princípio aceito no direito internacional que: "o bloqueio é um ato de guerra", e sendo assim, só é possível seu emprego entre os beligerantes. Não existe norma do direito internacional que justifique o chamado "bloqueio pacífico", o qual foi prática das potências coloniais do século XIX e do princípio do passado.